RESPOSTAS ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: AGRICULTURA, FLORESTAS E TERRITÓRIOS RURAIS

BIOECONOMIA CIRCULAR E SUSTENTÁVEL: EUROPA E PORTUGAL

A Bioeconomia foi lançada e adotada pela Comissão Europeia em 13 de fevereiro de 2012, com um plano estratégico assente em 3 eixos: 1. assegurar a segurança alimentar; 2. passar de uma economia baseada em recursos fósseis para recursos biológicos; 3. valorizar o potencial dos mares e oceanos. Neste plano estratégico foi entendido que o desenvolvimento sustentável a longo prazo deverá ser a conjugação de dimensões como a: i. gestão de recursos naturais; ii. alterações climáticas; iii. desenvolvimento responsável e com consumo sustentável dos cidadãos; iv. sustentabilidade global; e v. emprego e crescimento competitivo e inclusivo. Tudo isto, segundo dois princípios: um referente a "Usar melhor o que já usamos", focado na necessidade de aumentar a eficiência de utilização e o valor sobre os recursos naturais; e um segundo princípio orientado para "Usar bem o que ainda não usamos", principalmente no que aos mares e oceanos diz respeito.

Este plano estratégico deixou de parte, e sem a devida relevância, o tema da água doce, onde temos os rios, barragens, lagos, ribeiras, entre outros, que são locais de produção de biomassa de interesse económico, quer pela vertente dos peixes como de organismos (micro e macro algas) e plantas. De forma geral, no contexto da Bioeconomia Azul (de forma simples, a bioeconomia desenvolvida através da água como ecossistema produtivo económico), será estratégico que a Comissão Europeia assuma o termo e a estratégia pelos recursos aquáticos e não se restrinja apenas aos mares e oceanos – que são um potencial ainda muito por explorar – onde se deve incluir a água doce, pois é um recurso fundamental, quer para as pessoas como para os animais, além do seu potencial económico como sistema de aquicultura.

A revisão recente, de outubro de 2018, da Comissão Europeia ao plano estratégico de Bioeconomia de 2012, é o resultado do assumir que os recursos biológicos, apesar de serem uma opção chave para a Europa, são recursos finitos. Essa é e deverá ser sempre uma grande preocupação. Os recursos biológicos

são finitos e, por isso, quando no início tínhamos Bioeconomia de forma geral, hoje a prioridade da Comissão Europeia é Bioeconomia Circular e Sustentável. Circular pela necessidade de prolongarmos o tempo de vida da mesma unidade de massa de recursos biológicos, como por exemplo, um resíduo de madeira pode fazer mobiliário para casas e no final do seu tempo de vida pode ser reciclado em novo mobiliário ou transformado em químicos verdes para utilização na indústria química. Sustentável, aumentando o seu valor económico e não comprometendo questões como a segurança alimentar e ambiental.

A nível ambiental, um exemplo errado é desenvolver plantas invasoras apenas preocupados com a taxa de crescimento de biomassa e esquecendo as externalidades negativas e efeitos colaterais que as invasoras representam para os ecossistemas e para as próximas gerações humanas.

Quando falamos em números, a Bioeconomia representa 2,3 biliões de EUR em volume de negócios (3,2 triliões de EUR em escala anglo-saxónica) e 8,2 % da mão de obra da União Europeia. É previsível que as bioindústrias (novas indústrias baseadas em biotecnologia e conhecimento tecnológico) possam

gerar, até 2030, mais de um milhão de novos postos de trabalho. As bioindústrias irão trazer um novo desafio, podendo em muitos casos apresentar um valor acrescentado bruto superior a 1 EUR por cada kg de biomassa.

Portugal apresenta uma riqueza e património genético agroflorestal e aquático muito importante, construído pela biodiversidade e características geográficas. Este património e potencial permitirá posicionar-se como um estado membro de referência em Bioeconomia, como é visto no âmbito das energias renováveis. Contudo, é importante e crucial que se aposte na Bioeconomia Circular, pois o sector agro-florestal em Portugal gera cerca de 4,3 Mt/ano de resíduos, que são ineficientemente valorizados,

tendo em consideração a sua composição e potencial de valorização. Os territórios sem atividade económica – matos e incultos– representam 32% da área territorial (2,9 milhões de ha), que geram anualmente elevadas quantidades de biomassa lenho-celulósica, 4,5 Mt/ano, e que contribuem muito significativamente, de forma negativa, para os grandes incêndios florestais (mais sério problema económico, social e ambiental em Portugal e também do sul da Europa). A fileira agroalimentar em Portugal, em particular a do sector dos lacticínios, suinicultura, azeite e vinho, gera elevadas quantidades de efluentes com impacto negativo muito significativo nos recursos hídricos e ecossistemas (eutrofização, contaminação, perda da qualidade dos solos, etc.). Contudo, num contexto de bioeconomia, são uma oportunidade de valorização devido às suas composições ricas em cargas orgânicas, que poderão permitir desenvolver novos produtos e, no final, ter-se um efluente com qualidade de utilização industrial ou agroflorestal, com reduzidos impactes ambientais.

Quando, atualmente, o tema das alterações climáticas é uma grande preocupação, verifica-se em muitas discussões e debates apenas a referência às energias renováveis, e, por vezes, aparece a questão dos plásticos. Contudo, esquecemo-nos que a energia é apenas uma parte do problema, sendo ainda mais importante os materiais e recursos que os cidadãos consomem diariamente e que são baseados em recursos fósseis ou em sistemas de produção agroflorestal intensivos. Aqui é a Bioeconomia, em particular a Bioeconomia Circular, que se apresenta como a solução estratégica e de grande aposta para a descarbonização da atividade socioeconómica, passando pelo aumento da eficiência dos sistemas tradicionais de produção agroalimentar e florestal, como pelo desenvolvimento de novas fileiras de valorização e conversão de recursos de biomassa em substitutos de recursos fósseis, como os sistemas de (1) biorrefinarias (para a produção de biocombustíveis, biomateriais e químicos verdes), (2) sistemas de bioindústrias dedicadas de produção de compostos bioativos e novos ingredientes para o sector alimentar e da saúde, como alternativas às moléculas químicas, (3) as biomoléculas, que são um novo paradigma de desenvolvimento, que apresentarão a mesma eficácia das moléculas químicas, mas com maiores benefícios e que podem ser integradas na alimentação ou na aplicação em biopesticidas; e (4) outros sectores em crescimento na área das bioindústrias como os bioadesivos (biocolas) ou os biomaterias para aplicação biomédica.

A Bioeconomia sempre existiu e irá continuar a existir, o desafio coloca-se na capacidade de evoluirmos para um aumento da eficiência de uso dos recursos biológicos e na evolução do conhecimento e tecnológica o desenvolvimento de produtos com características equivalentes aos obtidos via derivados de recursos fósseis e na descoberta por novas aplicações de interesse societário.

Date: 2019-08-20

Source: Revista da Rede Rural Nacional em Rede

URL: http://www.rederural.gov.pt/images/Noticias/2019/RRrural_n8_final_26jul.pdf?fbclid=IwAR0F13C8efSQ8kVSbPYvsYpEsTc2h8xfu2Rr71naFBX3bX3t8FxBQyKnpHE