E da floresta se fez biopetróleo

A BLC3 - Campus de Tecnologia e Inovação foi criada com o objetivo de fixar jovens e massa crítica no interior do país através do conhecimento e aplicar esse conhecimento aos recursos do território, valorizando-o e desenvolvendo-o. Acumula diversos projetos, de diferentes áreas e com fins distintos, mas o seu foco é a biorrefinaria, é aproveitar biomassa para produzir biopetróleo (mas não só). Daí, do foco, surgiu o nome: "B" de biomassa, "L" de lenho e "C" de celulósica, o "3" é de 3ª geração, fazendo referência às microalgas utilizadas no processo (Biomassa Lenho- Celulósica de 3ª Geração - Microalgas).

"Em outubro de 2009 o atual presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital perguntou-me o que eu achava que devia ser feito aqui. Eu disse que devíamos ter um centro de investigação orientado para os recursos do território e ele disse que, se ganhasse as eleições, apoiava o projeto. Assim nasceu a BLC3", conta João Nunes, diretor executivo do campus. "O projeto core é o BioREFINA-TER, que quer dizer biorrefinação do território e é disso que estamos a falar: fazer a biorrefinação de forma descentralizada e para os vários tipos de recursos que temos disponíveis", adianta.

Na prática, a empresa estudou uma forma de converter a biomassa florestal (matos, galhos...) em biopetróleo, que pode ser utilizado não só como combustível, mas também para produtos plásticos, para a área farmacêutica ou química e até para eletricidade, mas de uma forma sustentável e menos poluente. E com vantagens também para a floresta e para a região.

"Nós sabemos que o mercado dos derivados de petróleo existe, tem futuro e todo o tipo de materiais precisam de derivados de petróleo. O petróleo acontece por decomposição orgânica, o problema é que demora muito tempo e há integração de outros compostos, tomando-o mais nocivo para a saúde. Agora, nós temos a oportunidade de, a partir da parte orgânica, que é biomassa florestal, fazer biopetróleo. A partir desse biopetróleo, podemos desenvolver todo um mercado que vai desde os fármacos, aos plásticos, biomateriais, substitutos alimentares e, no final, biocombustíveis, eletricidade e calor", explica o responsável, que defende que "o interior só se desenvolve se ele se desenvolver as suas próprias ideias" e que, por isso, faz questão de manter o seu projeto na região, apesar de agregar sinergias de vários pontos do País.

Começou por alargar a rede de conhecimento, estudar o potencial de valorização das matérias-primas, formar uma equipa e desenvolver ideias complementares, já que estava consciente que "uma entidade nunca pode estar dependente de um só projeto, para ter sustentabilidade e viabilidade". A equipa percebeu que podia utilizar “qualquer resíduo agrícola e florestal”, tudo o que seja “lenho, e que até seria benéfico utilizar vários, para não ficar dependente de um único produto e criar uma economia descontrolada. Os que mais comunica são a giesta, esteva, acácia, carqueja, eucalipto e pinheiro e são utilizados apenas resíduos, “nunca cortando árvores”. Percebeu também que os produtores florestais estão disponíveis para colaborar na recolha de biomassa para este fim, mas desde que sejam devidamente pagos. A rentabilidade para todos os intervenientes é, de resto, uma preocupação do investigador, pois “só assim faz sentido”.

Atualmente, a BLC3 já tem um projeto piloto “com uma dimensão interessante” a funcionar e quer avançar para uma segunda fase do projeto, mas está a aguardar apoios. “Nós já chegamos à parte do biopetróleo, estamos com o piloto mais pequeno a funcionar e agora queríamos já fazer o piloto da transformação deste biopetróleo em produtos derivados do petróleo, com o intuito de, a seguir, ir para uma unidade de demonstração industrial”, refere João Nunes, que diz ser “urgente avançar para a unidade de demonstração industrial”, refere João Nunes, que diz ser “urgente avançar para a unidade de demonstração industrial para mostrar a tecnologia numa escala grande”. Nós já fizemos o trabalho mais difícil, que é juntar pessoas, já provámos que é possível, agora precisamos de oportunidade”, frisa.

E de acordo com o seu impulsionar, as vantagens de um projeto como este são múltiplas: permite resolver, ou pelo menos amenizar, o problema dos incêndios, já que deixa menos combustíveis nas florestas; cria novas indústrias nas regiões do interior e novos postos de trabalho; fixa jovens no interior; atraídos pelo conhecimento, pelos projetos tecnológicos, contrariando a desertificação; e tem benefícios ambientais, dado que é menos poluente – graças ao uso de microalgas, a emissão de CO2 diminuiu 120% face ao petróleo comum. De acordo com João Nunes, o território definido como piloto, e que inclui Oliveira do Hospital, Tábua, Arganil, Góis, teria mesmo condições para ser “totalmente autónomo em termos de recursos fósseis”. E, a nível nacional, este projeto poderia diminuir significativamente o uso de petróleo: “Não vamos conseguir substituir tudo, mas podemos fazer muito. Se substituirmos 50% do petróleo já era excelente”, nota.

Mas as mais-valias não são evidentes para todos: “Começámos com uma estratégia de comunicação internacional, porque temos a certeza de que este tipo de tecnologias é muito bem aceite a nível internacional e a nível nacional as pessoas ainda são muito céticas e há muita controvérsia. Então, fizemos um trajeto internacional, em que recebemos prémios, e só depois viemos para o nacional e o local”, salienta o responsável. A BLC3 foi fundada em maio de 2010, iniciou atividades em setembro de 2011 e começou a criar uma rede internacional em 2012, demonstrando o interesse desta tecnologia junto da Comissão Europeia. Três anos depois avançou com comunicação internacional e começaram os prémios. “Em 2015 tivemos prémios da incubadora, em 2016 o prémio RegioStars da economia circular, que é atribuído pela própria Comissão para os projetos mais inovadores a nível europeu, e em 2017 o programa StartUp Europe também fez o reconhecimento. Só após o prémio RegioStars começou o reconhecimento nacional “, afirma João Nunes, reforçando que, ao contrário do que se passa no País, muitos outros já estão há muito a traçar um caminho nesta área.

“Para verem que não somos só nós que queremos ir por aqui, um dos 20 programas de investimento mais importantes da Comissão Europeia é o da bio based industries, que é a valorização destas biomassas, destes resíduos.

Estamos a falar de um programa de 3,7 mil milhões de euros. E Portugal não está a aproveitar porque não temos tecnologia. Devíamos estar na linha da frente porque somos os que têm mais interesse. Portugal tem 3,1 a 3,2 milhões de hectares de território abandonado, tem um problema grave com os incêndios florestais e há consenso de que o problema dos incêndios tem a ver com o abandono dos territórios e a disponibilidade de matéria-prima.

Se existem tecnologias que permitem resolver este problema e que reúnem o consenso técnico-científico internacional, nós devíamos estar na linha da frente e estamos muito atrás dos outros”, lamenta o investigador, referindo que “os nórdicos, que não têm o problema de gestão da floresta que nós temos, já estão há 20 anos de volta disto”.

Date: 2018-03-16

Source: Revista Rede Rural Nacional Nº6

URL: https://issuu.com/823289/docs/revistaemrede_6-final