No Centro Bio, há vida para lá dos fogos florestais
Projeto em Oliveira do Hospital quer valorizar o território através da floresta. Está nomeado para um prémio da Comissão Europeia.
Sabemos bem que em Portugal o Verão é sinónimo de expressões como “combate aos incêndios”, “área ardida” ou “meios aéreos” . Segue-se a fase seguinte, onde as palavras passam a ser “rescaldo” e “balanço”, entrecortados por discursos sobre prevenção e políticas de preservação da floresta. Mas em Oliveira do Hospital, no interior do distrito de Coimbra, há um projecto nomeado para um prémio europeu que pretende alterar esta paisagem através do estímulo da bio-economia.
O projecto Centro Bio, da incubadora BLC3, actua na área das bio-indústrias, bio-refinarias e bio-produtos, ou seja, pretende criar oportunidades de negócio a partir da floresta, enquanto contribui para a diminuição dos incêndios florestais. E é o único projecto português na lista de finalistas da edição de 2016 dos prémios Regiostars, promovidos pela Comissão Europeia, tendo a criação de uma nova infra-estrutura tecnológica sido a base para a sua nomeação.
A BLC3 - nome que deriva de Biomassa Lenho-Celulósica de 3.ª Geração, é uma associação integrada numa rede de investigação internacional, e que tem como fundadores o Biocant, de Cantanhede, a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital, o Instituto de Catálises e Petroleoquímica do Conselho Superior de Investigação Científica de Espanha, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a Câmara de Oliveira do Hospital e as universidades de Coimbra e do Minho. Com um investimento global de 3,1 milhões de euros, o Centro Bio é financiado a 85% pelo Programa Operacional Regional do Centro, sendo que os restantes 15% provêm da autarquia de Oliveira do Hospital (60 mil euros) e de receitas próprias da BLC3.
A premissa por detrás do Centro Bio não é complexa: se os terrenos incultos e matos forem utilizados para actividade económica, essa mesma actividade vai, por si só, ajudar à diminuição do número de fogos e da sua dimensão. De acordo com João Nunes, fundador e presidente da BLC3, o projecto, para além de “valorizar o território” com modelos de negócio de “elevado grau tecnológico”, ajuda a “resolver o problema dos incêndios florestais”, o que corresponde a um “papel social”.
Se a ideia de base parece demasiado simples, João Nunes exemplifica: “se olharmos para o mapa das ocorrências dos incêndios em Portugal, a zona do Alentejo nunca tem muitas”. O responsável expõe que, apesar de ser uma região mais seca e mais quente, a actividade do sector primário é muito maior que no Norte do país. “Tem muitos montados a funcionar bem, a Corticeira Amorim tem um efeito de arrastamento para as pessoas tratarem da cortiça; há a criação de porco; tem uma floresta muito mais organizada”, enumera. João Nunes argumenta também que, no resto do país, nas décadas de 1950 e 1960, quando havia mais exploração do sector primário e secundário, houve poucos incêndios.
Aproveitamento da matéria
Através das bio-refinarias, o projecto resolve várias questões: o aproveitamento económico dos terrenos, a dinamização do interior do país, a dependência energética dos territórios e a diminuição do risco de incêndio. Uma das propostas é a produção de bio-combustível através dos materiais de terrenos agrícolas e florestais. Em construção está já a unidade de demonstração industrial, no Campus da BLC3, para testar o projecto na prática. O objectivo final é ambicioso e propõe-se a criar em Oliveira do Hospital e nos concelhos vizinhos de Arganil, Góis e Tábua uma “total autonomia energética mecânica”, substituindo a importação de petróleo pelos recursos regionais como matos e resíduos agro-florestais para criação de combustível.
O responsável cita dados da direcção geral de Energia para o consumo de combustível nestes territórios, que é de cerca de 18 milhões de litros. O projecto da BLC3 terá capacidade para produzir 25 milhões de litros através da matéria-prima regional, aponta. Os bio-combustíveis podem ser introduzidos na maquinaria actualmente existente sem qualquer adaptação, esclarece. E não concorrem com o sector alimentar animal e humano.
No entanto, a fragmentação do território em terrenos privados é um dos obstáculos para que uma estratégia possa ser posta em prática de Santarém para Norte. A “inércia do privado” é uma resistência a vencer, lembra o responsável da BLC3, admitindo contudo que “a partir do momento em que a actividade paga alguma coisa, consegue desenvolver-se”. Um bocado à semelhança da exploração da resina, diz. Mas o fundador da BLC3 defende também o desenvolvimento de um mecanismo de “valorização da actividade económica do território”, que depende de vontade política. Algo que passaria pela modulação do IMI conforme a utilização dada (ou não) ao terreno, sugere.
Foco no interior
João Nunes insiste que a organização que a BLC3, que arrancou em 2011 para trabalhar em “problemas e oportunidades do interior do país” não se encaixa na definição tradicional de incubadora. “Aqui fazemos o chamado ciclo da invenção”, explica o presidente da associação. A BLC3 pretende motivar o crescimento de ideias ligadas aos recursos e ao território, intervém no desenvolvimento da tecnologia, no centro de investigação, e só numa fase posterior é que o negócio vai para a incubadora, que funciona como elo de ligação ao mercado.
A única entidade portuguesa nomeada este ano para os prémios regionais europeus opera numa zona em que as necessidades são diferentes dos centros de investigação das universidades, lembra o seu fundador. “Nestas regiões interiores, é preciso gerar ideias e depois é preciso gerar empreendedores”, assinala, apontando a importância dada à captação de jovens para levar a cabo os projectos.
Nesta fase a BLC3 tem funcionado com fundos comunitários - “uma parte significativa” - apoios da autarquia e algumas receitas próprias, mas objectivo é conseguir obter mais dividendos do trabalho que aqui é desenvolvido. “Pretendemos gerar receitas próprias do mercado”. Normalmente, “um centro de investigação faz protótipos, alguém compra e licencia”, mas a BLC3 quer ser ela própria a “levar a tecnologia ao mercado”, o que “dá muito mais dividendos”, apesar de o risco ser “um bocadinho maior e dar mais trabalho”, nota João Nunes.
Actualmente, as instalações da BLC3, em Oliveira do Hospital – um Campus composto por edifícios com diversas valências – não são comparáveis com as que acolheram a incubadora quando esta dava os primeiros passos. João Nunes reconhece que o “o apoio, a disponibilidade e o acreditar” da câmara municipal foram importantes para alavancar o projecto. Para além do apoio financeiro, a BLC3 esteve sediada num espaço que a autarquia tinha disponível.
No meio do Campus encontra-se o esqueleto de um edifício, em construção que, vista do céu, parece uma concha que João Nunes descreve como um futuro auditório alimentado apenas por energias renováveis. À volta estão seis edifícios onde trabalham 52 pessoas e que albergam os centros de investigação, laboratórios, espaços de demonstração, um centro de apoio a projectos inovadores e uma incubadora.
De resto, a rede científica foi-se compondo a partir dos contactos que o fundador da entidade foi reunindo ao longo da carreira académica, durante a qual foi investigador em Espanha, Universidade de Coimbra e do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Das bolsas de doutoramento em contexto aprovadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) nos últimos dois concursos, realça, cinco foram para a organização de Oliveira do Hospital. Número que ganha relevância se soubermos que, no total dos dois anos (2015 e 2014), foram atribuídas 32 bolsas no país inteiro.
Em termos de parceiros, o responsável diz que, em Portugal, “só a Universidade do Algarve é que (ainda) não trabalha” com a BLC3. “Todas as universidades e institutos, uns mais outros menos” o fazem. Em 2015, a BLC3 marcou presença no ranking das dez melhores incubadoras europeias e no top das melhores 25 do mundo, numa lista elaborada pela University Business Incubator e pela I3P, a Incubadora do Politécnico de Turim.
Mas o alvo não é só a comunidade científica. A entidade tem ainda uma componente que aponta para os mais novos, o Lab-i-DUCA. Através do projecto educativo, o objectivo é passar para jovens dos 5 aos 18 anos alguma literacia científica, para que as gerações seguintes tenham “consciência” da importância do trabalho ali desenvolvido.
Quer o prémio venha para Portugal ou não, os efeitos da nomeação já se fazem notar. O fundador explica que já há um grupo de investigação do Reino Unido que trabalha na área das bio-refinarias que quer trabalhar com a BLC3. “Como estratégia partimos de fora para dentro”, explica João Nunes, que adianta que “a última fase última fase vai ser a nível local”. “Se começarmos a ser reconhecidos a nível internacional, vai ser mais fácil explicar o projecto a nível local”, acredita.
Data: 2016-09-05
Fonte: Público